As desventuras de um ex-Don Juan.
I
Por muito tempo era somente ele e a vodka.
Muitos dias haviam passado, ela embarcou numa viagem sem volta.
A embriaguez se tornou constante. Muito fácil anestesiar o corpo de um homem ferido.
O álcool fazia o efeito esperado e na poltrona ele adormecia...
Dia ensolarado, chegava à vila um rapaz de estatura média, lábios carnudos, olhos doces e braços fortes. Era Júlio César, um andarilho que depois de partir corações e causar muita confusão estava decidido a "pendurar as chuteiras".
Com sua aparência agradável não fora difícil conseguir emprego e moradia.
Dois meses, esse foi o tempo que demorou até um olhar triste cruzar seu caminho e aflorar seu instinto caçador.
II
Sofie ficou cismada com o novo 'moço da farmácia'. Todos o chamavam de J.C , essas letras ficaram gravadas em sua mente. Ela sorria enquanto mexia seus negros cabelos perfeitamente encaracolados.
III
Que beleza imponente era aquela?- se indagou - Uma potranca pedindo para ser domada, pura tentação...
Horas mais tarde, depois do expediente, durante o banho lembrou daquele rosto maroto e sentiu uma felicidade estranha, até fez o sinal da cruz. Fumando um cigarro na janela, a imagem da boca delicada perguntando "tem aspirina?" parecia um convite.
IV
Um detalhe pode salvar o dia. Sofie havia ido à farmácia comprar um comprimido na esperança de aliviar a dor que seu ex-amor ainda lhe causava, no entanto aquele jovem distinto tomou sua atenção e o desconforto sumiu. Dormiu como um anjo e amanheceu como nunca.
Campainha toca:
- Quem é?
- Da farmácia senhora.
Farmácia?O que será?- foi abrir rápido e "É ele!".
-Desculpe incomodar - disse em tom profissional - Mas a farmácia Andrade está cadastrando os clientes para um serviço de fidelidade.
- Certo, mas quem forneceu meu endereço? - Disse séria desconfiando da veracidade da história.
J.C ficou pálido por um instante, mas respondeu seguramente: - O senhor Jorge Andrade, que lhe conhece de longa data me enviou, algum problema?
- Não, não. Cidade pequena é assim mesmo. Como faço para participar? - Falou em tom irônico...
Ele fez as perguntas que julgava necessárias para saber de detalhes sobre seu futuro troféu. Ao fim do interrogatório, o último ponto: "telefone?", a garota disse o numero sem a menor maldade.
“Manhã produtiva!!!” - Disse ele em pensamento.
V
Quando fechou a porta, estava num misto de medo e euforia.
"Sofie não é nada disso que você está pensando, desencana!", disse ela tentando espantar esse tipo de bobagem, pois o fantasma do pequeno homem ainda habitava seu intimo.
Longe dali apenas uma quadra, estava ele estudando as respostas dela e pensando no próximo passo.
- Não existe cartão-fidelidade, e agora?
VI
Era inevitável, ele avistava sua bela todos os dias, ela passava apressada com uma pilha de livros e ele sempre com um riso malicioso no rosto a cumprimentava.
Chegou a hora bote final, seu cheiro preencheu o estabelecimento." O que vou falar?" pensou ele, mas logo foi interrompido:
- E o cartão-fidelidade?Quero meus descontos!!!
- É uma pena senhorita, mas pelos altos custos, o projeto não vai poder ser implantado.
- Aaah!
A conversa foi interrompida por uma voz que dizia:
"Venha aproveitar a grande inauguração da sorveteria REI DO SABOR! Os dez primeiros clientes a comparecer na loja irão desfrutar do sabor da fruta inteiramente grátis!"
Com um olhar sugestivo disse: Vamos?
Sofie nem respondeu, já estava em direção a porta. Havia muitos carros e eles demoraram a atravessar, quando conseguiram a sorveteria já estava lotada.
- Droga! Você é muito lerdo! Falou com um sorriso infantil.
- Mas não faz mal, eu lhe recompenso. Aceita? No fim da tarde?
- Huuum! 'tá bom', a gente se vê mais tarde.
"Hoje vai ter rapaz, você é um gênio!!!"
VII
Tudo ocorreu como o combinado. Sorvete bom, conversa agradável. Foram horas falando bobagem, agiam como velhos amigos.
Após algumas conversas, se tornaram acessório um do outro, passavam a maior parte do tempo juntos.
Até aquela noite, só havia insinuações. Surgiu um olhar agressivo, sedutor e o primeiro beijo aconteceu: macio, molhado com gosto de 'quero mais'.
Dai pra frente a fogueira se acendeu. Um amor ardente que chegava a ser selvagem. Lá estava a garota que amava demais entregando-se novamente.
VIII
"Don Juan" gostava de sua madame, mas estava indeciso, com medo de se prender e acabar com seu histórico de aventuras.
Ele optou por continuar a brincar e procurou por outros corpos, mesmo com sofie na cabeça. Achava muito estranho esse pudor, por que se preocupar com ela?
O trágico é que nem ele sabia, mas amava aquela menina.
Sua reação foi estúpida, Sofie percebeu a mudança e se entristeceu, pois, não queria tudo aquilo acontecendo de novo.
IX
Tudo ficou negro.
Sofie saia chorando. "Ninguém te ama como eu!" - J.C falou, talvez ela nem tenha escutado.
Uma longa procura até encontrar pequena pegadas e perceber o que tinha feito.
O mundo começou a desabar, gemidos de horror...
Homem-Solidão acordava de mais uma noite perturbada pelas lembranças de sua inconsequência. Seu amor estava despedaçado literalmente e a culpa era somente dele.
O amor é uma dádiva, não o desperdice. Não se pode medir o quanto se é amado...
J.C